Entre muitas palavras, “gastronômica” descreve Copenhague de forma precisa. Uma viagem à capital da Dinamarca vai além de monumentos e museus: seus ingredientes e sabores são um convite para descobrirmos novas formas de nos relacionarmos com a comida. Aqui, sazonalidade e sustentabilidade ganham dimensões incomparáveis.
Berço de inovações, incluindo a Nova Cozinha Nórdica, Copenhague tem de tudo: 16 restaurantes estrelados pelo Guia Michelin e outros sete com estrela verde; dois restaurantes entre os atuais 100 melhores do mundo pelo The World’s 50 Best Restaurants; quatro chefs entre os 100 melhores do mundo; e uma diversidade de cozinhas, comidas de rua e mercados.
Claro que o Noma, considerado o melhor restaurante do mundo e meca para jovens chefs, ou ainda o badalado Geranium trazem fama para Copenhague, mas o cenário vai além. Desde um simples cachorro-quente no centro a um jantar-experiência que nos leva a repensar sobre toda a indústria, a cidade é surpreendente – e saborosa – em cada detalhe.
Para começar: mercado e rua gastronômica
Antes de nos deleitarmos em um jantar estrelado com mais de uma dezena de etapas, um bom começo para descobrirmos aromas e sabores de Copenhague é no “mercadão”. Foi o que fiz para a 7ª temporada do CNN Viagem & Gastronomia: o mercado Torvehallerne aparece no roteiro com suas vendinhas de frutas, legumes, peixes, carnes, queijos e flores.
Não muito longe do Castelo Rosenborg, ele é todo de vidro e dividido em pavilhão francês e dinamarquês. Enquanto um tem oferta de chocolates, pães e docinhos, o outro oferece ingredientes e iguarias típicas.
Comecei experimentando o tradicional Flødebolle, marshmallow coberto por chocolate com base de marzipã – a melhor pedida é da loja Summerbird Organic. Depois, me deslumbrei com o ruibarbo, planta comumente usada aqui em tortas e molhos para carnes, assim como me surpreendi com as grandes lagostas e ostras.
Durante o passeio, é obrigatório pedir um smørrebrød, cuja tradução literal é pão com manteiga. Aqui, a receita ganha contornos ainda mais apetitosos, como arenque em conserva com cebola ou ovo cozido com camarão por cima. É um almoço típico dinamarquês que pode ser pedido no box da Hallernes – caso queira experimentar outros tipos de smørrebrød, vá ao Schønnemann, em funcionamento desde 1877.
Outro mercado é o Reffen, que reúne comida de rua e um hub cultural à beira-mar na área de Refshaleøen. Aqui encontramos desde pratos tradicionais afegãos até chineses e sanduíches argentinos. Bares completam a oferta e, durante o verão, há uma extensa agenda de eventos, música ao vivo e DJs embalando a atmosfera.
Restaurantes estrelados e a nova cozinha nórdica
Com o tempo, o mundo passou a ficar de olho na gastronomia de Copenhague e da Dinamarca. O interesse não é somente pela constelação de estrelas, mas por conta da Nova Cozinha Nórdica, um manifesto que ganhou corpo, e assinaturas, em 2004.
O manifesto tem 10 pontos-chave, entre eles o uso de produtos locais, puros, frescos, e que reflitam os climas, as paisagens e as águas regionais; o respeito pelas estações; e a promoção das culturas nórdicas, bem como a cooperação de toda a cadeia do setor. Um dos signatários e pensadores do movimento é René Redzepi, por trás do Noma.
São três estrelas Michelin, uma verde, e um lugar entre os “melhores dos melhores” do The World’s 50 Best Restaurants. Sazonalidade, coleta de matérias-primas selvagens e fermentação são pilares da casa – padrões repetidos ao redor do mundo. Como inovação é um farol, não é de se espantar que o restaurante fechará no fim do ano – mas renascerá em 2025 como um “enorme laboratório” voltado à pesquisas.
O chef Rasmus Kofoed é outro expoente da Nova Cozinha Nórdica. Ele comanda o Geranium, também com três estrelas, onde as estações do ano ditam o que comemos. Uma simples caminhada na natureza pode levar o chef a fazer menus ousados. A carne vermelha não aparece entre as criações e o foco em vegetais e frutos do mar de fazendas orgânicas e biodinâmicas são mais que capricho. “É apropriado para a saúde e para o clima e eu quero incentivar as pessoas a comerem mais vegetais”, conta o chef.
Já o Alchemist, do jovem chef Rasmus Munk, me mostrou um lado provocador da gastronomia. Durante mais de três horas, em um antigo galpão, ele nos apresenta um verdadeiro espetáculo com ajuda de pratos para lá de diferentes e tecnologia. Saindo da zona de conforto, comi borboleta (fonte de proteínas), cérebro de cordeiro e pão que pode ser assado no espaço.
Isso é parte da “Cozinha Holística”, concebida pelo chef em 2018 e que nos desafia a pensar além do prato por meio do estímulo dos sentidos e do intelecto, em que somos confrontados com questões sociais e éticas. “Claro que queremos bons sabores e os melhores ingredientes, mas também queremos desafiar as pessoas. Acho que quando criamos esses sentimentos você se lembra por bastante tempo”, explica Munk.
Por fim, outra surpresa foi o Koan, que angariou duas estrelas com apenas 10 semanas de operação. Mais uma vez, criatividade, sustentabilidade e sazonalidade são princípios básicos. “O Koan foi construído a partir da minha curiosidade e pelo meu país de origem, já que nasci na Coreia do Sul e fui adotado. Cresci em uma família dinamarquesa bem tradicional, e, resumindo, treinei em cozinhas francesas e nórdicas”, revela Kristian Baumann, chef e proprietário do Koan.
Podem chegar à mesa pratos como tofu e caviar (“sem sal, faz toda a diferença”) com uma seleção de plantas e morango de uma fazenda que o chef trabalhou quando criança; ostra e king crab embebidos em molho untuoso e leve; e até donuts quentinhos retorcidos, uma memória do chef e da esposa.
Descobertas deliciosas
Nem só de estrelas e de menus-degustação vive Copenhague. Um restaurante unânime entre as indicações de vários chefs é o Bæst, que é, primordialmente, uma pizzaria. Situada no bairro de Nørrebro, ela foi eleita no ano passado uma das 50 melhores pizzarias do mundo pelo 50 Top Pizza, mas de seu forno a lenha saem outros pratos além das redondas.
O restaurante foi um dos pioneiros quando falamos em farm to table, em que trabalha apenas com ingredientes orgânicos certificados. Carnes de alta qualidade, charcutaria caprichada e vinhos naturais também entram na conta.
Copenhague também é conhecida por suas padarias, que produzem diariamente pães e doces típicos da Dinamarca. Para conhecer esse mundo, vá a Københavns Bageri, cuja tradução literal é “padaria de Copenhague”. No bairro de Carlsberg Byen, o pequeno local tem prateleiras de pães de fermentação natural, assim como croissants, pãezinhos de canela e pães com queijo.
A estrela da casa é o Kringle, receita que se assemelha a um pretzel. A diferença aqui é que é feito com massa de croissant e leva recheio de baunilha, ameixas, conhaque, cardamomo e nozes. O preço? 150 coroas dinamarquesas. Anders Lorenz e Rasmus Sjødahl, ambos com formação no Noma, são os nomes por trás da empreitada e ainda comandam as cafeterias Alice e Benji na cidade.
Foi na padaria que conheci um projeto que ecoa a veia sustentável de Copenhague. Encontrei-me com Hardeep Rehal, fundador da Cocktail Solutions, que usa pães como matéria-prima para coquetéis. “Globalmente, 30% do desperdício de comida são pães e grãos. E por que ninguém está levando isso em consideração quando criam novos produtos?”, indaga. No balcão, ele corta pedaços de pão, esfarela e assa até secarem e atingirem um sabor torrado. Depois mói e extrai em água quente – semelhante ao processo do café.
“Claro que não terá sabor de café, mas terá semelhanças, com notas escuras, torradas, com nozes ou chocolate. Isso se dá ao processo de torra”. No fim, me serve uma versão de Espresso Martini com alcaçuz em pó, calda de açúcar e vodka infusionada com baunilha. É um outro jeito de pensar a coquetelaria.
Mais dicas de onde comer
Além dos locais citados acima, outras dicas variadas surgem aqui – Copenhague tem uma infinidade de casas e, claro, aconselho sempre fazer reserva. Confira casas estreladas, vendinhas de cachorro-quente e até restaurante cantonês:
Estrelados
- Jordnær: com três estrelas e um lugar no 50 Best, o restaurante fica nos arredores da capital e é comandado pelo chef Eric Vildgaard, que prepara menus aprimorados com foco em tudo que sai do mar;
- Kadeau: com duas estrelas e uma estrela verde, a casa é liderada pelo chef Nicolai Nørregaard, que tem raízes na ilha de Bornholm. Ingredientes da ilha são secos, curados, conservados, defumados e trabalhos conforme temporadas.
Variados
- Fishmarket: no centro, o restaurante para amantes de peixe e frutos do mar tem uma abordagem informal inspirada nas técnicas francesas e na cozinha mediterrânea. Uma carta de vinhos simpática acompanha ostras, vieiras, lagosta, polvo, salmão e smørrebrød;
- Barr: a casa ocupa o primeiro endereço do Noma e trabalha com tradições culinárias do Norte da Europa, com porções individuais e pratos para compartilhar. Tudo regado a cervejas artesanais e vinhos naturais;
- Goldfinch: de ambiente tranquilo, a casa serve comida cantonesa, ideal para dividir. À mesa podem chegar cestinhos de cozimento a vapor, camarões com alho e pimenta e wontons de porco. O menu também é servido no bar, que não precisa de reserva.
Cachorro-quente
- John’s Hotdog Deli: barraquinhas de cachorro-quente são uma tradição em grandes cidades e esta vendinha em frente à estação central prova que a receita vai além com pães e salsichas de qualidade aliados a remoulade, chutneys, mostardas e molhos caseiros;
- DØP: duas barracas de cachorro-quente, uma perto de Rundetårnet e outra em Helligåndskirken, são bastante comentadas pelo pão de fermentação natural e pelas salsichas veganas.
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