Em dezembro de 2022, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, lançou oficialmente o VenAPP, um aplicativo que na época foi anunciado que permitiria aos cidadãos fazer reclamações ao seu governo sobre falhas nos serviços públicos e outras solicitações.
“Qualquer cidadão que possua a rede social VenApp pode ir até a linha 58 e fazer uma reclamação”, disse Maduro naquela ocasião em transmissão na televisão governamental.
Mas quase dois anos após o seu lançamento, a rede tem uma utilização muito diferente do objetivo para o qual foi criada, segundo denúncias de organizações de direitos humanos.
Em plena repressão aos protestos após as eleições de 28 de julho, nas quais o Conselho Nacional Eleitoral proclamou Nicolás Maduro como vencedor, mas sem ter publicado até então os resultados detalhados das votações que apoiam esse anúncio, a Amnistia Internacional denunciou que o aplicativo estava sendo usado para instar a população a relatar os manifestantes antigovernamentais na Venezuela.
A organização de direitos humanos destacou que o próprio Maduro “encorajou a população venezuelana a denunciar, através da VenApp, propriedade do governo, os manifestantes que questionam a sua reeleição”.
No dia 30 de julho, falando aos seus apoiadores no palácio presidencial de Miraflores, Maduro disse: “Vamos abrir uma janela especial da página VenApp que usamos para o 1×10 do bom Governo, com a página 58, agora vai abrir uma janela especialmente para toda a população venezuelana para que possam colocar de forma confidencial os dados de todos os criminosos que ameaçaram o povo, que atacaram o povo, para que eu possa ir atrás deles, para que haja justiça”.
A Amnistia Internacional relata milhares de pessoas detidas após protestos pós-eleitorais na Venezuela. O próprio Governo admite mais de 2 mil detenções.
Numa carta aberta, assinada por dezenas de organizações de direitos humanos como a Access Now e a ONG venezuelana Conexión Segura y Libre, bem como por mais de uma centena de especialistas em questões de liberdade digital no mundo, alertaram para o aumento da perseguição de pessoas críticas no país após as eleições presidenciais.
“O governo intensificou as suas medidas de vigilância digital e censura, utilizando ferramentas como a aplicação de mensagens VenApp para reportar atividades dissidentes… vigilância por vídeo para monitorizar protestos e vigilância por drones para provocar medo generalizado”, detalha a carta aberta.
A CNN fez esforços para entrar em contato com o Ministério da Comunicação e Informação para obter comentários sobre o uso da plataforma VenAPP e até o momento não recebeu resposta.
Após o conhecimento das reclamações, o aplicativo não estava mais disponível para download em celulares Android ou Apple, mas continuava ativo para os usuários que já o utilizavam.
A partir de sua conta no X e um dia após as palavras de Maduro, a organização de verificação de dados @EspajaVE disse que o VenApp não estava mais disponível, sem oferecer mais detalhes sobre a medida.
Ao tentar baixar o aplicativo na Venezuela, a CNN confirmou que ele não está mais disponível nos principais sites de download.
Na sua carta pública, os ativistas dos direitos humanos também alertaram para outros métodos que estavam a ser utilizados, como “a detenção de pessoas e posterior verificação dos seus telefones, para rever as suas fotos, redes sociais e conversas no WhatsApp”. A CNN não conseguiu verificar essa afirmação de forma independente.
Segundo os especialistas em direitos humanos e digitais que assinam o comunicado, estes acontecimentos são registados no âmbito da chamada “operação Toc Toc”, utilizada para perseguir críticos do governo, que “inclui a utilização de Instagram, Telegram, e nomes, fotos e endereços de dissidentes, especialmente ativistas e jornalistas, mas também de cidadãos comuns que serviram como testemunhas nos centros de votação.”
Regulamentos e bloqueios
O governo venezuelano garante que desde 28 de julho até domingo passado, pelo menos 25 portais oficiais sofreram ataques cibernéticos vindos do exterior em detrimento de sites de instituições importantes como o Conselho Nacional Eleitoral, a companhia telefônica nacional CANTV e o Estado petrolífera PDVSA, entre outras.
O governo da Venezuela anunciou esta semana que a Assembleia Nacional iniciará um debate para regular as redes sociais.
Desde o final de julho, o presidente venezuelano iniciou uma campanha entre os seus seguidores na qual garante que os atos de violência registados no país estão diretamente relacionados com a divulgação de conteúdos das redes sociais e mensagens.
Na semana passada, Maduro pediu aos seus seguidores que deixassem voluntariamente de usar o WhatsApp e dias depois disse que iria bloquear a rede social X, antigo Twitter, durante 10 dias, em território nacional.
Por conta disso, o acesso a essa plataforma está restrito a milhares de usuários desde a última sexta-feira. Alguns conseguiram contornar a restrição através da conexão privada conhecida como VPN (rede privada virtual).
O governo afirma que o ódio e os atos de violência são promovidos a partir das redes.
Na segunda-feira, o próprio Maduro afirmou que a sua conta no Tik Tok está restrita e que não poderá fazer transmissões na plataforma até 19 de agosto.
Segundo o presidente, que tem 2,8 milhões de seguidores naquela rede social, a plataforma limitou as suas transmissões depois de ter divulgado um vídeo do Ministério Público que mostra cenas violentas ocorridas no final de julho no país.
Maduro criticou a plataforma Tik Tok e os seus proprietários pela medida, garantindo que publicará os dados dos seus proprietários. “Quero dizer aos bandidos e pessoas imorais do Tik Tok que esses atos de violência vêm de vocês, todos esses vídeos são do Tik Tok.”
A CNN enviou um pedido de informações à empresa Tik Tok para saber a sua posição relativamente a estas alegações; ainda não recebeu comentários.
Entretanto, o canal YouTube do programa “Con el Mazo Dando”, apresentado pelo deputado e primeiro vice-presidente do governista Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), Diosdado Cabello, também foi suspenso, informação que foi confirmada pelo próprio legislador.
Em seu programa semanal transmitido pela televisão estatal e pelo YouTube, Cabello costuma fazer acusações contra opositores ao Governo.
“Eles estão desabafando o ódio, nos censuram e não o fazem”, queixou-se Cabello.
Da mesma forma, a CNN enviou um comunicado à multinacional Google, dona do YouTube, para saber se a medida foi concretizada; ainda não houve resposta.
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