O Sul do Brasil é agraciado com alguns elementos que influenciam suas tradições gastronômicas. Aqui, os sabores têm relação direta com os ventos frios e com as labaredas do fogo lento. Além da carne, a região também faz bonito com frutos do mar e ingredientes frescos.
Entram nesse balaio ainda os vinhos, os queijos e a ação do campo, da mata e da costa, mostrando que terra, mar e tradição resultam em uma combinação que dá água na boca – e que é trabalhada com esmero por chefs e produtores locais.
Pude provar todos estes aromas e sabores especiais na temporada CNN Viagem & Gastronomia: Sabores do Brasil, que, depois da prazerosa jornada por todas as outras grandes regiões do país, finalmente culminou no Sul.
Para dar o pontapé em minha expedição, desembarquei primeiramente no Rio Grande do Sul, mais precisamente em uma das regiões que tem conquistado viajantes de todo o Brasil: o Vale dos Vinhedos. Conhecido pela produção de vinhos e cercado por belas paisagens naturais, o município de Bento Gonçalves se destaca, sendo um cartão de visita para as delícias da Serra Gaúcha.
Cozinha de origem
Para mostrar um pouquinho do que o Rio Grande do Sul nos oferece à mesa, minha visita em Bento Gonçalves começou com a junção do melhor de dois mundos: churrasco e vinho. Além das taças estarem cheias com as melhores uvas e safras do estado, o fogo de chão apareceu para jogar ainda mais luz à tradição gaúcha de se preparar carne.
“Digo que o maior ingrediente é o fogo, porque ele nos acompanha desde muito tempo. Essa grande fonte de calor foi o nosso instrumento para cozinhar desde sempre”, conta o chef Enio Valli enquanto monitora as labaredas.
Enio é o nome por trás do Guri Restaurante, um projeto interessante que resgata receitas, ingredientes e técnicas tradicionais dos pampas gaúchos, com uma culinária que passa obrigatoriamente pela lenha, pelo fogo e pela brasa.
O restaurante é enfático ao reforçar que não é uma churrascaria, tampouco uma parrilla, mas sim uma casa gaúcha que promove uma cozinha de origem.
Costumo dizer que a cozinha gaúcha é simples, mas não simplória. É muito mais difícil fazer uma comida simples bem feita do que uma comida considerada exótica
Enio Valli, chef do Guri Restaurante
Fogo de chão
Na parte externa do restaurante, Enio me mostrou o passo a passo do fogo de chão e discorreu sobre suas paixões e os estudos acerca das tradições gaúchas. Constatei que o fogo de chão é muito mais do que apenas uma técnica para uma carne bem feita: na verdade, a prática carrega muita história e também a força dos conhecimentos passados de pai para filho.
“Nossa tradição é muito ligada à carne, apesar do Rio Grande do Sul não ser resumido apenas à carne. Mas ela é um dos grandes símbolos do estado, principalmente a costela”, diz o chef, apontando para um corte suculento preparado entre oito e dez horas de fogo.
E como surgiu esse tipo de churrasco? “Antigamente, o termo gaúcho era pejorativo, designando o filho de indígenas com europeus. Essas crianças não se adaptavam nas tribos e os europeus as abandonavam. Para sobreviver no campo, elas roubavam gado. Assim nasceu o gaúcho, que já foi um termo para se referir ao ladrão de gado”, explica o chef.
O gado então começou a se reproduzir solto no campo e também por meio de fazendeiros, resultando em uma grande oferta de carne.
“Não havia caminhão, mas a carne tinha que ser transportada de alguma forma. Então, nesses longos percursos, ou eles usavam charque e arroz, que não eram perecíveis, ou sacrificavam animais, em que assavam grandes pedaços de carne no chão”, arremata o chef.
Churrasco, frutos do mar e vinhos
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Vinhos degustados no almoço no Guri Restaurante • CNN Viagem & Gastronomia
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Lula da costa do Rio Grande do Sul servida no Guri Restaurante, em Bento Gonçalves • CNN Viagem & Gastronomia
Com o fogo de chão pronto, chegou a hora de provar algumas criações do restaurante. À mesa, sentei-me com Lucia Porto, jornalista e sommeliere que ajudou a harmonizar alguns rótulos com os pratos que estavam por vir.
“O Brasil está há centenas de anos atrás de culturas do Velho Mundo. Então ainda estamos aprendendo a fazer muita coisa. Mas a cada ano ganhamos mais e mais prêmios nacionais e internacionais”, elucida a expert.
Para começar o banquete, Enio fez uma provocação. “No Guri começamos a refeição com uma lula da costa norte do Rio Grande do Sul para provocar o cliente a entender que também temos um grande litoral. Ela passa na parrilla e em cima trazemos um condimento andino indígena feito a base de pimenta, mas que suavizamos com tomate”, esclarece.
Na casa, temos a opção de escolher dois menus: o Confiança, de oito etapas, e o Sulista, de 14 etapas, ambos totalmente surpresa. Mas aqui vão alguns spoilers: depois da lula e de algumas empanadas, foi servido um cordeiro, carne que remete ao Pampa, o segundo menor bioma do país, ficando atrás apenas do Pantanal.
Para harmonizar, o chef serviu um vinho de linha própria, feito em parceria com vinícolas locais. O rótulo foi o “Borrego”, que leva as uvas Merlot e Teroldego, e que passa seis meses em um blend de barricas de carvalho americano. A safra? “É a de 2022, tida como a ‘safra das safras’ por alguns produtores”.
Para finalizar, o costelão de angus fechou com chave de ouro a refeição. Feito no fogo de chão, ele veio com cebola e tomatinho tostados e noz-pecã, comum na região.
Entre tantos vinhos, o saldo do almoço terminou com dois gaúchos especiais: o Pizzato DNA 99, um Merlot da colheita 2021 da Pizzato Vinhos, com aspecto vermelho escuro e aromas de frutas vermelhas e especiarias; e o Épico VIII, rótulo da Guatambu Vinhos, elaborado com Tannat, Cabernet Sauvignon, Tempranillo e Merlot das safras 2020, 2021 e 2022, com terroir da Campanha Gaúcha. Um brinde!
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