Da brasileiríssima picanha ao bife de chorizo argentino, passando pelo brisket típico dos Estados Unidos, não é de hoje que os menus dedicados às carnes andam um tanto plurais, com diferentes línguas e sotaques.
O churrasco, em suas múltiplas formas, é uma verdadeira expressão cultural que atravessa fronteiras, unindo pessoas em torno do fogo e do prazer de comer. Mas embora seu conceito seja universal, cada país trouxe sua própria interpretação, desenvolvendo técnicas e cortes que transformaram a carne em um prato com diferentes identidades.
“Mesmo dentro do próprio Brasil existem diferentes técnicas de churrasco”, conta Fabio Lazzarini, chef do prestigiado Varanda D.inner e cuja família também está à frente da Intermezzo, posicionada entre as principais distribuidoras de cortes nobres do país. “Há quem use espeto, os que preferem grelha, e a carne pode ser preparada em bifes ou inteira. Somos muito democráticos!”
A picanha, talvez o nosso corte mais icônico, é geralmente assada com sal grosso e mantida no espeto, e permite que a gordura derreta lentamente mantendo a carne suculenta. Outros, como alcatra, fraldinha e maminha também são bastante populares.
O churrasco chegou ao Brasil junto com os Setes Povos das Missões, aldeamentos indígenas fundados pelos jesuítas espanhóis na atual região do Rio Grande do Sul no século 17. Naquela época, grandes pedaços de carne com osso – como a costela – eram assados durante todo o dia, tradição que ainda se mantém na região da Campanha Gaúcha. “Por lá ainda se utiliza muito o fogo de chão”, diz Lazzarini.
Na vizinha Argentina o chamado “asado” também compõe um verdadeiro ritual. Henrique Freitas, consultor de carnes do Corrientes 348, explica que, “além de trabalhar alguns cortes específicos, como entraña, bife de chorizo e asado de tira, se utiliza uma grelha específica, à lenha, em que você movimenta o fogo e a carne em uma estrutura vertical.” Essa grelha, chamada de parrilla, tem uma canaleta para captar a gordura e controlar melhor a temperatura, e é uma das características mais marcantes dessa técnica. Já no Uruguai, por sua vez, a base é muito semelhante à da Argentina, mas com diferenças sutis.
“Os uruguaios também utilizam a parrilla, mas com a grelha suspensa em distância maior do braseiro, e na maioria usam lenha para o preparo valorizando cortes como asado de tira, onde o processo de cocção é mais longo”, explica Leo Salomão, chef de parrilla do Pobre Juan. “O tempero é geralmente simples, com sal, e o churrasco uruguaio é frequentemente acompanhado de pão e saladas.”
Para o chef parrillero Chico Mancuso, do Rincon Escondido, as diferenças entre a parrilla uruguaia e argentina em relação ao churrasco brasileiro são mínimas. “O que muda essencialmente é o tipo de carvão utilizado. No Brasil, usamos carvão de eucalipto, que gera bastante chama, mas se consome rapidamente. Já na Argentina e no Uruguai, utilizamos o quebracho, uma lenha que queima com pouca chama e se mantém em brasa por muito mais tempo”, completa.
Chico ainda aponta uma distinção importante na estrutura da churrasqueira. “No Brasil, os modelos tradicionais são fechados para manter um fluxo de oxigênio que prolongue a queima do carvão. Isso reduz o controle direto sobre o fogo, exigindo que o churrasqueiro movimente a carne com mais frequência para garantir um cozimento uniforme e evitar que queime. Já na parrilla argentina e uruguaia, o fogo é controlado pela movimentação das brasas, permitindo ajustes mais precisos na temperatura”, explica.
Defumação e cortes com osso
Outra escola que tem se tornado popular por aqui é dos Estados Unidos. Sobretudo no sul do país, em estados como o Texas, é muito popular o chamado “american barbecue”, que envolve uma defumação lenta em uma churrasqueira fechada chamada pit, com o uso de madeiras como nogueira e pecan. Além do brisket, que é o peito bovino, as costelas de porco e as carnes com osso são preparadas com especiarias e marinadas. Para grelhados como rib eye e T-bone, é usada a char broiler, um tipo de grelha com maior controle de temperatura. “Os americanos têm poucos cortes, pois há uma demanda de carne muito grande para hambúrguer, que inclusive também é preparado no churrasco”, afirma Freitas, do Corrientes 348.
As diferenças não param por aí. Freitas também explica que, no geral, o Brasil tem um rebanho definido em pasto, o que garante uma carne com bastante intensidade de sabor mas com uma textura mais firme – inclusive pela raça dos animais. “Nos Estados Unidos é o oposto, com animais desde muito jovens no confinamento, o que resulta em uma carne gorda, selecionada por marmoreio, com pouca presença de sabor mas muita maciez.”
Segundo ele, já na Argentina e no Uruguai, além da predominância do gado britânico, o pasto é bastante rico. “Isso faz com que esses animais ganhem bastante peso e, em alguns modelos, há a terminação em confinamento.” Não por acaso, as carnes desses países são reconhecidas como algumas das melhores do mundo.
Outros países também desenvolveram suas técnicas para grelhar carne, algumas bem curiosas. Na Coreia do Sul, por exemplo, lâminas finas de costela, pancetta, entre outras, são marinadas rapidamente em uma mistura que contém ingredientes como shoyu e pasta de pimenta antes de ser levada à grelha na própria mesa e servida com conservas e folhas. Já o churrasco mongol, que na verdade nasceu em Taiwan, ganhou fama por combinar fatias de carne, macarrão e vegetais cozidos rapidamente sobre uma chapa circular.
Para Lazzarini, não dá para definir qual é o melhor estilo de churrasco. “O ideal seria uma mistura delas, pois gosto muito da parrilla uruguaia, por exemplo, mas prefiro trabalhar com carvão.”
Conheça abaixo os principais cortes de cada uma das mais populares escolas de churrasco do mundo:
Brasil
Picanha: é o corte mais icônico do churrasco brasileiro. Extraído da parte traseira do boi, próxima ao dorso do animal, tem uma camada de gordura espessa, o que garante maciez e suculência.
Alcatra: bastante apreciada no Brasil, também vem da parte traseira do boi, entre o lombo e a coxa. Ela é magra e versátil, podendo ser preparada em pedaços grandes ou em bifes.
Fraldinha: localizada na parte inferior do animal, entre a barriga e a perna traseira, a fraldinha tem fibras longas e sabor intenso. Embora seja mais magra do que a picanha, tem um sabor robusto e é muito popular.
Maminha: extensão da alcatra, tem formato triangular e presença de gordura entremeada na peça, o que resulta em suculência e sabor. Pode ser feita tanto na grelha quanto no espeto, mas por ser uma extraída de uma região pouco irrigada, deve ser servida até o ‘ao ponto’ para não ressecar.
Argentina
Bife de chorizo: com uma farta camada de gordura concentrada na lateral do corte, ele é extraído da parte dianteira do contrafilé bovino, vizinho do bife ancho e da alcatra. Muito apreciado pelo seu sabor intenso, é geralmente servido em bifes grossos, com uma crosta dourada e o interior suculento.
Asado de tira: é o corte clássico das costelas argentinas. O corte é feito a partir das costelas do boi, no sentido transversal ao dos ossos.
Entraña: estreita e alongada, a entraña é a parte do diafragma do boi e tem sabor marcante. Apesar de ser um corte muito macio e saboroso, tem uma membrana firme que há quem prefira tirar.
Mollejas: glândulas endócrinas do boi, mais precisamente o timo. Devem ser grelhadas até obter uma textura crocante por fora e macia por dentro, e vão bem com limão.
Uruguai
Asado de tira: assim como na Argentina, o asado de tira é o corte mais tradicional do churrasco uruguaio. As costelas cortadas em pedaços pequenos são assadas lentamente sobre a parrilla.
Vacio: corresponde à nossa tradicional fraldinha.
Morcilla: embora não seja exatamente um “corte de carne”, a morcilla é um item que se tornou popular no churrasco uruguaio. Espécie de linguiça feita com sangue de boi e especiarias, ela é grelhada junto com outros cortes e servida como petisco.
Estados Unidos
Brisket: é o corte mais famoso do churrasco americano, especialmente no estilo barbecue do sul. Extraído do peito do boi, ele é defumado por várias horas a uma temperatura baixa, o que resulta em uma carne extremamente macia e cheia de sabor, com uma crosta caramelizada e suculenta.
Ribeye: é muito apreciado pela sua gordura entremeada. Equivalente ao entrecôte ou bife de costela.
T-bone: um dos mais populares dos Estados Unidos, ele contém tanto o filé mignon quanto o contra-filé, separados por um osso em formato de “T”.
Tomahawk: é uma carne imponente, que chama atenção pelo enorme osso de 30 centímetros. Ela é retirada da mesma região que o prime rib e foi batizada assim por lembrar um machado de mesmo nome muito utilizado pelos antigos indígenas norte-americanos.
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