Guerras de paz raramente são bem-sucedidas. Normalmente, acontecem por escolha e com um objetivo específico: atacar preventivamente para neutralizar uma possível ameaça. Israel e o Hezbollah estão presos no horror da escalada de violência há quase um ano. Mas, ao longo da última semana, Israel decidiu ampliar massivamente os ataques contra o grupo apoiado pelo Irã, alegando, segundo alguns relatos, que procuram “escalar para desescalar” – para forçar o seu adversário a uma solução diplomática.
Trata-se de uma decisão arriscada e falha, talvez sob pressão de aliados, como os Estados Unidos, para indicar que uma solução diplomática, na qual Washington investiu uma certa quantidade de energia, segue sendo o foco de Israel.
Uma guerra terrestre em grande escala entre militares israelenses cansados e divididos e integrantes do Hezbollah experientes e furiosos no sul do Líbano, seria provavelmente desastrosa para Israel. É exatamente nisso que o grupo é bom e espera por. No entanto, é também algo em que Israel não precisa se envolver – pelo menos não por enquanto.
A semana passada mostrou o abismo tecnológico entre os dois adversários. É preciso recorrer à tecnologia de duas décadas atrás para escapar ao spyware e à vigilância israelenses. Israel foi capaz de se infiltrar nesse mesmo dispositivo – milhares de pagers feitos em Taiwan – e implantar explosivos contra o Hezbollah, matando crianças e ferindo milhares de pessoas.
Como se esse ataque não bastasse, 24 horas depois, Israel explodiu uma série de bombas em walkie-talkies, inclusive nos funerais dos assassinados que haviam ocorrido no dia anterior.
Além disso, Israel matou mais de uma dúzia de figuras importantes e um comandante do grupo, Ibrahim Aqil, em uma enorme explosão no sul de Beirute, na sexta-feira (20).
No meio disso tudo, ataques aéreos atingiram repetidamente as posições do Hezbollah no sul do Líbano. Houve danos significativos ao comando, controle, moral e equipamento do grupo libanês, mesmo sem a presença de militares israelenses no território ocupado pelo Hezbollah.
É importante não descartar o impacto psicológico e operacional que um ataque como o dos pagers teria sobre qualquer adversário. Integrantes do Hezbollah provavelmente não sabem quem entre eles podem ser contatados ou como; eles se espalharão; buscarão um caminho diferente; talvez não consigam chegar a uma resposta unificada; podem até perder um pouco de tempo em lutas internas sucessivas.
Com o tempo, poderão realizar uma retaliação, mas por enquanto Israel está explorando, impiedosamente, o caos inicial.
Onde se encaixa a “desescalada”?
A esperança de Israel é que o Hezbollah se sinta tão prejudicado, e tema mais danos contra os civis no Líbano, que concorde em se retirar para o norte do rio Litani e ceda às exigências adversárias, de tal forma que os civis israelenses possam voltar para o norte. Seria difícil para Hassan Nasrallah – líder do grupo, que também incentivou os seus homens a usarem pagers no lugar de smartphones – projetar uma fraqueza como esta depois da semana passada. Ele poderá ser capaz de, por necessidade, vender uma estratégia de paciência – sugerindo que esta é a única escolha para salvar o Líbano e que poderão sobreviver para lutar, talvez em outro momento –, mas seria difícil.
Os israelenses, que parecem ter se infiltrado completamente nas comunicações do Hezbollah, provavelmente controlam melhor as deliberações internas do grupo do que declaram em público. O serviço de inteligência de Israel pode ter avaliado que Nasrallah deverá eventualmente recuar, uma vez que ficou claro que sua organização está enfraquecida depois de perder tantos combatentes experientes na guerra civil da Síria.
Por outro lado, podem ter calculado que Nasrallah está encurralado e terá que atacar com foguetes contra cidades israelenses. Caso a tensão aumente, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, pode usar como justificativa a ideia de que “eles começaram isto”.
Militarmente, a semana passada foi um desastre para o Hezbollah. Pode-se comparar com o momento em que a Rússia invadiu a Ucrânia em 2022. Com base nas evidências das vulnerabilidades do Hezbollah nos últimos dias, Israel pode se sentir confiante para continuar atacando o seu inimigo, com a visão de que ele não é capaz de contra-atacar de forma significativa. O Hezbollah pode disparar foguetes, mas muitos são interceptados e eles não possuem um suprimento inesgotável. Será que Nasrallah pensa que este é o momento de disparar? Ou será que os seus aliados no Irã preferem que ele espere por outro momento?
Se o Hezbollah se retirar voluntariamente – ou se recusar e a violência continuar -, Israel ainda pode realizar ataques com uma força aérea superior, aparentemente com pouca preocupação, por agora, das respostas do Hezbollah.
Israel demonstrou em Gaza o seu desrespeito pelos danos contra civis. O impacto que qualquer aumento da violência terá sobre a população libanesa será uma faca de dois gumes: extenuará o ódio já avançado pelo seu vizinho do sul, mas também fomentará a inimizade contra os danos e o caos que os ataques do Hezbollah trouxeram ao Líbano.
Talvez Netanyahu – que parece ter optado sozinho por soluções militares durante 2023, talvez por razões do seu próprio avanço político – pense que pode bombardear o Hezbollah até o fim. Israel pode, possivelmente, infligir tantos danos, causando uma mudança qualitativa no que o Hezbollah pode fazer. Mas as guerras nunca param neste ponto.
O Hezbollah se reconstruirá, tendo em vista a sua causa baseada em um lugar e em um povo específico – o Líbano e os seus xiitas. A lição que a Otan aprendeu lentamente no Afeganistão deve ser considerada – que matar intermináveis comandantes de nível médio em ataques noturnos causa apenas mais raiva e radicalismo frente às negociações. Israel está ostentando a sua performance na guerra e é capaz de pagar um alto preço ao fechar os olhos às vítimas civis. No entanto, não está claro exatamente que caminho o país seguirá.
Poderá ter menos importância para o gabinete de guerra de Netanyahu se o Hezbollah decidir recuar ou se for obrigado a isso por conta dos ataques. Mas o histórico da região mostra que há o hábito de ecos de violência surgirem de maneira dura em retaliação aos agressores décadas depois de um episódio.
Quase toda a população de Gaza foi deslocada em meio à nova ofensiva israelense