Como comer passou de uma forma de tapar um vazio para uma forma de preencher barrigas e corações
Férias escolares. Mixed feelings (sentimentos batidos no liquidificador). Se por um lado nos tira a obrigação de levantar o rebento às 6h30 e levá-lo para escola, por outro lado vêm alguns desafios. Nessas férias, decidimos não viajar. A razão principal é que eu e meu marido estamos cheios de trabalho. Mas, confesso, existe um fundinho de preguiça e uma vontade de não encavalar duas parcelas de resort no cartão de crédito (no momento, pagando a ida a Olímpia em janeiro, o paraíso dos parques aquáticos). O fato é que, ficando em casa, vem a questão: “O que fazer com esse pré-adolescente, com todo esse tempo livre?”. Como, ao contrário do dele, meu tempo está todo ocupado, o garoto acaba ficando, indefectivelmente, entre o videogame, o celular e uma voltinha de bicicleta, depois de um sermão de que precisa tomar sol.
Mas o desafio maior é a questão da alimentação. Alimentação não é o termo exato. “Devoração”, talvez. Nas férias, a fome das crianças não se regula pelo horário das refeições. Ela se torna uma coisa única, constante e crônica. É o tempo todo: “Maaaaãe, tô com fome”. “Mãe, não tem nada pra comer!” Obviamente, caqui e barra de cereal são “nada pra comer”. Eu poderia assistir a um YouTube da Bela Gil e fazer um bolinho com casca de mandioca. Ou um sorvete de inhame com morango. Mas eu odeio cozinhar, odeio ir à feira (já que não estou podendo comer pastel) e, principalmente, odeio inhame!
No terceiro dia de pipoca veio o desabafo: “Mãe, eu não aguento mais comida salgada. Meu paladar é doce”. Ah, tá! Exausta com aquela demanda para atender os desejos do pequeno crítico Michelin, apelei. Fui ao supermercado e falei mentalmente: “F*da-se, preciso trabalhar, vou estocar minha casa de porcaria”. Confesso: comprei bolinhos Ana Maria de sabores variados. Peguei mais do de cenoura e chocolate, justificando que era de legume. Pacotinhos de mini Oreo. Danoninho de bisnaga (não precisa nem pegar a colherinha, o cúmulo da moleza). Biscoito Waffle. Camadas crocantes recheadas de manteiga saturada sabor chocolate, que já vem se esmigalhando no pacote e que, futuramente, se enfiará entre as almofadas do sofá de forma definitiva. Não sei por que faço isso comigo. Já sei, para escrever essa crônica sem interrupções.
Admito, ainda mais envergonhada, que comprei uns saquinhos de uma bomba atômica chamada “Salamitos”. Pequenos rolinhos de salaminho, artificialmente moldados no formato de míssil, que deveriam ser proibidos pela Anvisa por insalubridade. Para beber, suquinho 100% maçã da Yakult, me enganando de que as maçãs são recém-colhidas e vão direto da cestinha de palha para caixinha tetra pak. Esses dias, fiquei pensando: “Como é que minha mãe fazia?”. Eu tenho um filho, ela teve 4! Então lembrei que nas férias, anos 80 bombando, mamãe comprava um pacote enorme de salgadinhos. Salgadinhos tipo Cheetos, Baconzitos, Zambitos, Sticksy. Uma iniciação ao colesterol alto.
Motivada pela intuição de que Cebolitos não era feito de cebola, uma vez por semana ela nos servia — na verdade, nos fazia engolir — o “sopão vitaminado da mamãe”. O sopão vitaminado tinha uma cor desconhecida pelas paletas dos maiores mestres da pintura. Seu sabor era uma mistura de couve fresquinha, terra molhada e raspinhas de lápis apontados. Sua textura podia configurar assédio moral parental. E não adiantava apelar dizendo que não gostava da gororoba, que ela respondia enfática: “Você não só gosta, como adora”. Difícil discutir com uma mãe determinada a garantir a saúde dos seus filhos. Atormentada pelos meus conflitos, pensei em fazer o sopão para meu filho. Quem sabe diminuía minha culpa. Até liguei pra minha mãe pra perguntar a fórmula. Obviamente que ela não lembrava e achou que o segredo era coentro. Coentro é sacanagem. Com o avanço de quatro décadas, aquela não era a solução.
Resolvi pegar o caminho aparentemente mais trabalhoso. Por fim, isso não era bem verdade. Fiz uma lista de lanchinhos permitidos e afixei na geladeira. Coisa muito boa: milho cozido, ovinhos de codorna, banana com mel. E ainda estipulei horário: um lanche às 11h, 15h30 e outro às 17h30. Eu sei que parece muito, mas pra nossa situação atual, é um paraíso. Sim, tenho que levantar da cadeira e ir ferver milho e ovo. Tirar o milho da espiga e colocar num pratinho com manteiga (maldita invenção das barraquinhas da praia). Tenho que sentar com meu filho à mesa, porque são comidas que, no meio do estofado, inutilizarão o sofá. Com isso, fui obrigada a organizar a minha própria alimentação. Percebi que café com amendoim no meio da tarde também não é saudável. Nessa pausa, passamos a conversar mais. Ouvi histórias do Homem-Aranha que jamais poderia imaginar. Rimos, nos divertimos. E comer passou de uma forma de tapar um vazio para uma forma de preencher barrigas e corações.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.