Integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), da Procuradoria-Geral da República (PGR), advogados e especialistas ouvidos pela CNN entendem que o fechamento do escritório do X no Brasil deve dificultar o cumprimento de decisões judiciais pela empresa às vésperas das eleições municipais.
A avaliação é de que a medida vai permitir à empresa desobedecer ordens sem sofrer o risco de retaliações dentro do país.
Fontes da Corte Eleitoral afirmam que a falta de uma representação do X no Brasil pode adicionar “novas camadas de burocracia” no cumprimento das decisões judiciais.
A necessidade de acionamento do Ministério da Justiça e Segurança Pública para cooperação internacional deve impedir que uma ordem de remoção de conteúdo seja cumprida em 24 ou 48 horas, por exemplo.
Sem representante no Brasil, as decisões só serão executáveis mediante os mecanismos de cooperação estrangeira.
Uma fonte que atua no TSE explica que as decisões submetidas à cooperação internacional ficam sujeitas a uma “filtragem interpretativa” do sistema de justiça americano.
Isso porque os Estados Unidos, em razão da primeira emenda, valorizam fortemente a garantia da liberdade de expressão. Esse princípio constitucional americano pode impactar eventuais cumprimentos de decisão envolvendo a plataforma.
A não extradição do blogueiro Allan dos Santos pelos Estados Unidos é um exemplo citado por procuradores.
Allan dos Santos está foragido da Justiça brasileira desde 2021, quando teve a prisão preventiva determinada por Alexandre de Moraes no inquérito das fake news.
Nos bastidores, fontes do STF também fizeram um paralelo com o caso do Telegram, que traçou um o percurso contrário: por ordem de Moraes, teve de designar um representante no Brasil. Antes, o magistrado havia determinado o bloqueio do aplicativo, por não atender as determinações judiciais.
Conforme especialistas, a situação do X também poderia levar, no limite, a um bloqueio da plataforma no país, caso continue a desrespeitar reiteradamente decisões da Justiça.
O cenário fica mais sensível porque a saída do escritório se dá durante a campanha eleitoral. No período, há uma série de regras para publicações e conteúdos online, e a Justiça tem uma atuação mais acelerada para impedir que postagens possam afetar a normalidade do pleito ou atingir algum candidato.
A saída do X do Brasil foi divulgada pela própria plataforma no sábado (17). Segundo a empresa, a medida foi tomada por causa decisões do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), com “ordens de censura”.
“Como resultado, para proteger a segurança de nossa equipe, tomamos a decisão de encerrar nossas operações no Brasil, com efeito imediato. O serviço X continua disponível para a população do Brasil”, disse a empresa.
Limbo
Conforme Renato Ribeiro, coordenador acadêmico da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), se a atividade da empresa está sendo feita no Brasil, se sujeita às regras brasileiras.
Segundo o especialista, caso o X continue descumprindo decisões judiciais, é possível que a própria Justiça determine a retirada da plataforma o ar.
Ele citou haver um temor com as possíveis consequências da desobediência de ordens de remoção de publicações, especialmente no atual período eleitoral.
“O que mais fazemos é levar ao conhecimento da Justiça Eleitoral publicações ilegais, seja por uso da inteligência artificial, seja por discurso de ódio, fake news”, afirmou.
A partir dessas notificações ao Judiciário, disse Ribeiro, as big techs informam dados de quem fez a postagem, para fins de responsabilização por algum conteúdo irregular.
“Se eu não tenho escritório no Brasil que represente o X, quem vou acionar? Quem vai ser representado perante a Justiça Eleitoral? Então a gente cai num limbo. Se isso demorar [remoções de conteúdo irregular] você gera um dano irreversível à imagem de uma séria de candidatos”.
Nas eleições deste ano, estão em vigor as normas editadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que proíbem a circulação de uma série de conteúdos nas redes sociais, considerados “casos de risco”.
Os critérios fixados vão desde condutas e atos antidemocráticos tipificados no Código Penal a discursos de ódio, desinformação, promoção de racismo e nazismo e divulgação de material criado por inteligência artificial (IA) sem a devida rotulagem.
Bloqueio
O advogado Fernando Neisser, mestre e doutor pela USP e membro fundador da Abradep, disse que a saída do escritório do X Brasil prejudicará a relação da empresa com o poder público e vai tornar mais difícil obrigar a companhia a seguir ordens judiciais.
Embora cite que a legislação permite outros canais para notificar empresas sem representante no país, Neisser afirmou que, se a plataforma seguir descumprindo decisões, a solução que resta às autoridades é determinar seu bloqueio aos brasileiros.
“A legislação permite que diferentes canais sejam usados para notificar empresas em relação a decisões judiciais. Isso poderá ser feito por e-mail, por exemplo, o que segue sendo viável mesmo sem uma filial no Brasil. Naturalmente que se torna mais difícil exigir o cumprimento das decisões. Parece ser exatamente essa a razão, inclusive, do fechamento do escritório: deixar de cumprir determinações do Poder Judiciário brasileiro”, afirmou.
“Acredito que se a plataforma X seguir sem cumprir determinações judiciais, a solução correta é determinar seu bloqueio a partir de IPs brasileiros. Com isso, será mitigada eventual repercussão decorrente dessa violação, já que usuários do Brasil não terão acesso às postagens”, complementou Neisser.
A advogada Larissa Pigão, especializada em Direito Digital e LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), ressaltou que vê como possível um bloqueio da plataforma no Brasil, mas destacou se tratar de uma medida mais extrema que acaba prejudicando os milhões de usuários.
“Com a saída da plataforma, a gente vai ter um pouco mais de dificuldade [para fazer cumprir decisões]. Porém, a legislação acaba tendo que ser cumprida. Tudo que foi determinado tem que ser cumprido”, destacou.
“Caso a empresa não tenha representante legal no país, com certeza pode ser que seja determinado o fechamento da própria plataforma, pelo não cumprimento das determinações”, declarou a advogada.
Segundo Filipe Medon, professor da FGV Direito Rio, o retrospecto da Justiça brasileira indica haver a possibilidade de ordem judicial para bloquear o X, em razão do descumprimento de decisões e pela falta de representante no país. Uma determinação do tipo não seria inédita.
O especialista lembra a decisão envolvendo o Telegram, em 2022, pelo próprio ministro Alexandre de Moraes.
Com o X continuando a desrespeitar decisões, é possível ver uma “escalada” de sanções pelo Judiciário, de acordo com o professor.
“Agora que não tem mais nem representação no Brasil, a determinação do ministro Alexandre de Moraes, de punir com prisão pelo crime de desobediência, vai se chegar numa proibição de funcionamento [da plataforma]”, afirmou Medon.
“É difícil cravar o que vai acontecer, mas, a julgar com o que se deu com o Telegram, a expectativa é que em algum momento seja ameaçada a suspensão do funcionamento”.
O raciocínio é compartilhado por Marcelo Crespo, especialista em direito digital e sócio no Peck Advogados. Segundo ele, o dono do X, Elon Musk, está fazendo uma “profecia autorrealizável: age para dizer que está sendo censurado”.
Conforme Crespo, a plataforma deve deixar de cumprir decisões judiciais brasileiras, já que sem a representação no país há dificuldades para aplicar as determinações.
“Na prática, a consequência provável é que a plataforma deixe de cumprir as determinações judiciais brasileiras”, afirmou. “ Como resultado, uma possibilidade seria a determinação do bloqueio da plataforma no país, similar ao que já aconteceu anteriormente com o WhatsApp”.
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