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Roteiro gastronômico em Belém: “Eu vou tomar um tacacá“ e outras delícias típicas

Os vidrinhos coloridos pendurados por barbantes garantem amor e dinheiro. Beth Cheirosinha, com seu cabelo vermelho e mais de meio século criando poções mágicas com as ervas da mata, diz que ali dentro tem “chora nos teus pés, agarradinha, chega-te a mim, chora nos meus pés, pega e não te larga, vai buscar quem tá longe…” É o seu atrativo do amor, uma das muitas mandingas que vende em sua barraca no Mercado Ver-o-Peso, maior feira a céu aberto da América Latina, com 25 mil metros quadrados e 397 anos de história.

Uma simples voltinha pelos corredores faz com que o visitante perceba logo de cara que Belém do Pará oferece um Brasil originário e original. Um pouco mais a frente, um senhor vai e vem com uma faca bem amolada. Com batidas certeiras vai retirando a casca da castanha-do-Pará, que é vendida fresca e desprende um sabor completamente diferente daquelas torradas vendidas em pacotes a vácuo.

Em panelas gigantescas, senhores e senhoras cozinham a maniva, folha da mandioca moída. “Um dos ingredientes mais importantes da Amazônia, e no Pará não é diferente, é a mandioca. Aqui, tu vais encontrar vários subprodutos como tucupi, farinhas diversas e a maniva, que dá origem a um dos pratos mais famosos, a maniçoba”, diz o chef Thiago Castanho, do bar Sororoca, em São Paulo, e herdeiro de Seu Chicão, fundador do Remanso do Peixe, um dos mais tradicionais restaurantes de Belém.

O Mercado Ver-o-Peso é apenas uma das muitas atrações que Belém oferece. Fincada na Floresta Amazônica, é a porta de entrada para esse universo preservado de um Brasil nativo. E, talvez seja esse um dos motivos que levou a capital do Pará a ser escolhida para sediar a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, também conhecida como COP30. A 30ª edição do evento tem como principal objetivo a adoção de metas para garantir a conservação efetiva de 30% das terras, mares e águas doces do planeta, e condições para a mobilização de recursos até 2030.

A COP costuma atrair delegações de quase 200 países membros da ONU e são esperadas mais de 60 mil pessoas entre chefes de Estado, diplomatas, empresários, investidores, pesquisadores e ativistas. “A COP vem provar que Belém é o grande portal da Amazônia para o mundo. Não só pela floresta, tecnologia e forma de vida, mas também pela gastronomia e cultura do nosso povo da floresta, que tem muito a ensinar”, diz o chef Saulo Jennings, do restaurante Casa de Saulo.

Faltando pouco mais de um ano para o evento, Belém anda colocando a casa em ordem. As obras são muitas, mudando o ritmo na cidade. Já as panelas estão cada dia mais ariadas. O fogo também está aceso desde já para mostrar que essa terra é dona de uma culinária brasileira única. Para quem tem fome de comida e história, a capital é destino certo. Um mergulho profundo na ancestralidade do que somos como nação.

Para isso, montamos um roteiro com alguns lugares imperdíveis na cidade que estará sob o olhar atento do mundo muito em breve. Mas você vai ver tudinho antes.

  • Casa do Saulo das Onze Janelas


A Casa do Saulo_Banda de tambaqui_Cred Agência Lour
A Casa do Saulo, Banda de tambaqui • Agência Lour

Os peixes, as farinhas e as frutas usados no preparo dos pratos vêm de pequenas comunidades rurais e ribeirinhas próximas a Santarém, terra do chef Saulo Jennings. É ali, inclusive, que ele mantém a pousada Bangalôs da Selva, à beira do Rio Tapajós. Premiado diversas vezes como o melhor restaurante da região Norte, o restaurante fica localizado no Complexo das Onze Janelas, com vista para a Baía do Guajará. A culinária tapajônica aparece no menu em forma de combinações como o famoso filé de pirarucu grelhado, molho de castanha-do-Pará, banana-da-terra e camarão rosa, finalizado com castanha torrada e cebolinha, e acompanhado de arroz de chicória.

Casa do Saulo: R. Siqueira Mendes, S/N, Cidade Velha, Belém / Tel.: (91) 99338 4511 / Funcionamento: terça a sábado, das 11h às 23h, e domingo, das 11h às 22h.

É nos fundos de uma pequena vila residencial, no bairro do Marco, que se esconde um dos melhores restaurantes de comida regional de Belém. Sem placa na porta, o Remanso do Peixe foi fundado nos anos 2000 por Seu Chicão, pai do chef e apresentador Thiago Castanho. Quando começou, o estabelecimento funcionava literalmente dentro da casa da família. O sucesso foi tanto que eles se viram obrigados a encontrar outro lar e a antiga moradia virou lugar preferido de uma clientela em busca de caldeiradas, moquecas e peixes assados. O espírito caseiro resiste, no entanto. O atendimento é carinhoso e os pratos fartos. Entre as receitas mais pedidas está a Caldeirada de filhote à Paraense do Seu Chicão, peixe cozido em molho de tucupi, finalizado com jambu, pimentões, cebola e tomate. Acompanha arroz branco.

Remanso do Peixe: Travessa Barão do Triunfo, 2590, Bairro do Marco, Belém / Tel.: (91) 99206 7677 / Funcionamento:  terça a sábado, das 11h30 às 15h (almoço) e 19h às 22h (jantar); domingos e
feriados, das 11h30 às 15h30.

Com uma pegada mais contemporânea, o restaurante é comandado pelo casal Paulo Anijar e Ilca Carmo. Funcionando em um casarão histórico, no tranquilo bairro Umarizal, o restaurante traz técnicas francesas e italianas para receitas preparadas com ingredientes locais. Paulo, inclusive, trabalhou com Alex Atala no DOM, em São Paulo, antes de se firmar em sua terra natal, Belém. Para começar, uma opção de entrada é o crocante rolinho de pato servido com geleia de tucupi. Um clássico da casa é o pirarucu com três texturas de mandioca, pirarucu braseado no tucupi e azeite verde temperado, risoto com ervas locais, chips e nuvem de mandioca. O estabelecimento ainda oferece menu degustação com sete tempos.

Santa Chicória: Av. Senador Lemos, 565, Belém / Tel.: (91) 98412 9517 / Funcionamento: terça a sábado, das 12h às 15h (almoço); terça a quinta, 19h às 23h (jantar); sexta e sábado, das 19h à 0h
(jantar); domingo, das 12h às 15h30 (almoço).

  • BOX 49 no Mercado Ver-o-Peso


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Eliana Ferreira, à frente do box 49, no Mercado Ver-o-Peso • Carolina Daher

O box é 49, no setor amarelo do Mercado Ver-o-Peso. Mesmo com as obras que estão acontecendo no momento, não é difícil achar o espaço comandado por Eliana Ferreira, que se apresenta como boieira – aquela que serve a boia, ou seja, comida gostosa, na hora do almoço. Ela trabalha na feira há quase 40anos e começou auxiliando a mãe. Tudo ali é verdadeiramente raiz, o que faz com que o visitante tenha uma experiência real de como é a alimentação local. Não deixe de provar o mais clássico dos clássicos: filé de filhote empanado servido com uma cumbuca de açaí (neutro, sem ser adoçado com xaropes e frutas) e farinha de tapioca. Para acompanhar, suco de cupuaçu natural. Atualmente, a Eliana também tem um pequeno restaurante que funciona no bairro Umarizal.

Mercado Ver-o-Peso: Blvd. Castilhos França – Campina, Belém – Box 49, Belém / Tel.: (91) 98624 2228 / Funcionamento: segunda a segunda, das 9 às 17h.

É comida de rua. Comida boa e de vários lugares do mundo, principalmente do oriente como Japão, Coréia, China, Malásia, Tailândia e Índia. O chef Thyago Guarany inovou ao criar o Mirakuru, em 2018, um espaço que serve só um prato por dia e mesmo assim, precisa ser reservado pelo cliente. E como funciona? Diariamente são preparadas de 90 a 150 porções e a clientela entra no site e já faz a compra da refeição como garantia. Localizado no bairro Umarizal, o restaurante é pequenino e, hoje, oferta também drinques, entradas e sobremesas. O menu é lançado todos os dias no @mirakurubel e conta com preparos como bibimbap, yakisoba, ramen e nasi goreng. Funciona de segunda à sexta das 19h às 22h.

Mirakuru: Travessa Soares Carneiro, 770, Belém / Tel.: (91) 98515-1515 / Funcionamento: segunda a sexta, das 19h às 22h.


Unha de caranguejo da Casa Camilo
Unha de caranguejo da Casa Camilo • Carolina Daher

Com uma pintura verde do lado de fora e banquetas fixas instaladas em seu interior, o comércio localizado na esquina da avenida Almirante Barroso com a Travessa Curuzu é um dos mais queridos pelos belenenses. A Casa Camilo carrega tradição e nostalgia e uma especialidade de encher a boca d’água: a unha de caranguejo. Para quem não está familiarizado, é um salgado frito recheado com carne do crustáceo e finalizado com a pontinha da sua garra, o que lhe garante esse nome. E fica ainda mais gostoso, se acompanhado de guaraná Garoto, servido na garrafa de vidro transparente. E não se assuste se pedir a bebida para viagem e eles despejarem o líquido em um saco plástico, furando um buraquinho para a entrada do canudo. É cultural.

Casa Camilo: Travessa Curuzu, 547, Belém / Tel.: (91) 99821-0943 / 2121-5734 / Funcionamento: segunda a sexta, das 6h às 18h, e sábado, das 6h às 14h.


Sorvete da Cairu
Sorvete da Cairu • Carolina Daher

Eleita uma das 50 melhores sorveterias do mundo no Festival Mundial de Gelato, um dos mais sérios concursos do setor, realizado na Itália, a Cairu existe há mais de 60 anos. Esse ano, inclusive, foi declarada como patrimônio cultural de natureza material e imaterial pelo estado do Pará. O sorvete mais emblemático é o Carimbó, que mistura doce de cupuaçu com castanha-do-Pará. Há ainda outros 31 sabores, alguns tradicionais e outros que trazem muito da Amazônia como açaí, tapioca e bacuri. Ao todo, hoje são treze unidades espalhadas por Belém – duas em Salinas, Pará, e uma em Copacabana, no Rio de Janeiro. Na loja da avenida Gov. José Malcher ainda funciona como padaria e tem um pãozinho recheado de queijo que faz parte de todos os aniversários dos belenenses.

Cairu: Av. Governador José Malcher, 1895, Belém / Tel.: (91) 99100-2237 / Funcionamento: segunda a sábado, das 6h15 às 21h, e domingos e feriados, das 9h às 21h.


Tacacá, um dos pratos mais emblemáticos de Belém
Tacacá, um dos pratos mais emblemáticos de Belém • Carolina Daher

O tacacá é uma receita indígena feita com o tucupi, suco da mandioca espremida e cozido durante vários dias para remover o ácido cianídrico (cianeto), sim!, o veneno. Depois, esse caldo amarelo turvo é adicionado de ervas e temperos para se tornar a base de várias receitas amazônicas. A doçura ou acidez vai depender da mão do cozinheiro e talvez seja essa a maior diferença do Tacacá da Dona Maria, uma instituição que funciona em uma pequena barraca na altura do número 902 da avenida Nazaré, quase em frente ao colégio Marista. Seu tucupi é adocicado e temperado na medida certa. Vem acompanhado de camarões secos e jambu, que faz a boca adormecer naturalmente. O cliente ainda pode escolher se quer ou não a goma, ou seja, a fécula de tapioca que faz parte da receita original.

Tacacá da Dona Maria: Viela Nazaré, 752, Nazaré, Belém / Tel.: (91) 91000-0000 / Funcionamento: terça a domingo, das 16h às 20h.

Fora da rota

Pedimos ao produtor cultural Marcos Antônio Gonçalves de Bastos, que apresenta os verdadeiros sabores de Belém em seu Instagram @mediciland para nos dar três dicas fora do circuito gastronômico. “Quem é centrista não conhece. Como sou periférico, tenho uma outra visão da cidade”, diz.

Um espaço agradável próximo ao estádio do Mangueirão, cercado de mata, onde o cliente encontra pratos incríveis que remetem a culinária Marajoara, utilizando queijo do Marajó, açaí, pirarucu frito e o icônico Frito do Vaqueiro, carne de búfalo conservada na própria banha, feito cubinhos fritos e servido com farinha.

Delícias do Bosque: Residencial Bosque Felizcidade, rua C, 91, Belém / Tel.: (91) 98836-2009 / Funcionamento: terça a sexta, das 11h às 14h, e sábado, domingo e feriados, das 7h às 10h (café da
manhã) e 11h às 15h (almoço).

O nordeste paraense também está representado na capital. Avuado é qualquer peixe ou marisco assado na brasa, então aqui o cliente encontra peixes da região, camarões e até lagosta. Feitos na brasa ou do jeitinho que a região prepara, com um toque de vinagreira, característica da culinária do nordeste do estado.

Avuado Restaurante: R. Romualdo de Seixas, 823, Umarizal, Belém / Tel.: (91) 98034-1141 / Funcionamento: todos os dias, das 11h às 15h.

De cara para a Baia do Marajó, na orla de Icoaraci, o consumidor vai encontrar um dos peixes mais frescos da cidade e ainda aproveitar esse bairro afastado do Centro. Todas as opções para comer filhote são muito bem-vindas, mas também não se deve deixar de provar a casquinha de caranguejo.

Resto da Villa Prime: R. Siqueira Mendes, 563, Cruzeiro (Icoaraci), Belém / Tel.: (91) 98606-6828 / Funcionamento: domingo, das 11h às 0h; segunda, das 11h às 16h,;terça a sexta, das 11h às 16h
(almoço) e 18 à 0h (jantar); sábado das 11h às 0h.

Queijos do AM são reconhecidos com registro de indicação geográfica

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