Os pequenos que moram em habitações precárias são geralmente privados dos benefícios oriundos da implantação de parquinhos, praças e quadras de qualidade
Praças, parques e demais espaços livres destinados à recreação e lazer são serviços públicos prestados pelas três esferas de poder e que compõem uma vasta infraestrutura responsável pelo desenvolvimento social, ambiental, econômico e urbano, gerando, além da melhoria na qualidade de vida de populações, também empregos e investimentos. É justo, portanto, que sua distribuição no território ocorra de maneira equitativa. A existência de espaços livres destinados ao público infantil, para além da necessária socialização, contribui para o desenvolvimento das habilidades físicas (agilidade, motricidade e força), psicológicas (desenvolvimento da autonomia, da criatividade e de aspectos emocionais) e cognitivas (noção espacial, atenção). Brincar é tudo de bom, e criar espaços que possam acolher a brincadeira é ainda melhor. Mas e quando a distribuição na cidade e nos bairros é desigual e a manutenção é falha?
Fruto da ausência do Estado no provimento de políticas habitacionais e linhas de crédito à população mais pobre, habitações precárias foram se consolidando em áreas distantes dos centros e à margem das regulações urbanísticas. Ocupados ao longo de décadas e largados à própria sorte, crianças e adolescentes encontram-se privados dos benefícios oriundos da implantação de um sistema de espaços livres de qualidade no qual possam usufruir em seu desenvolvimento, gerado pelas brincadeiras e pela socialização próximos às suas moradias. Territórios segregados, embora inseridos na malha urbana, os espaços da favela carecem de investimentos públicos adequados para a implantação de infraestruturas de saneamento básico (abastecimento de água potável, coleta e tratamento de esgoto, limpeza urbana, coleta de resíduos, drenagem e manejo de águas pluviais), o que dirá infraestrutura implantada para a socialização e lazer.
O relatório “Brincar em Favelas!”, realizado em 2021 ao longo do período de pandemia da Covid-19 nas cidades de São Paulo, Recife e Porto Alegre, pelo Data Favela e Instituto Locomotiva, analisou a rotina de mães e crianças de até 6 anos para compreender como o brincar acontecia em áreas socialmente vulneráveis. Do público pesquisado, a maior parte das famílias eram chefiadas por mães com renda inferior a um salário mínimo, negras, solteiras, com ensino médio concluído e que vivem em situação de insegurança alimentar, portanto, abaixo da linha da pobreza (IBGE). Nestes lares comandados por mulheres vivem os brasileirinhos que, em alguns anos, nos substituirão no mercado de trabalho, na produção de pesquisa, na prestação de serviços e na gestão deste país. Os gestores públicos não podem brincar com estes dados. Procrastinar no investimento? Nem pensar. Cortar verbas federais para educação e cultura? É comprometer o presente e o futuro do Brasil.
Os estudos mostraram que as mulheres, esgotadas do “corre-corre” em busca de trabalho para o sustento e cuidados da casa, não dispõem de energia suficiente para brincar com seus filhos. Os resultados apontam que, na ausência de espaços públicos (parquinhos, praças, quadras) e projetos culturais inseridos no interior do território ocupado pelas comunidades, restam às crianças as telas de TV, que, dominadas por publicidade, desenvolvem maior desejo de consumo. Para 72% das mães entrevistadas, a diversão do lado de fora das casas é inadequada por causa da presença de usuários de drogas; mais de 60% temem a violência na região em que moram; mais de 90% das mães têm ciência da importância da brincadeira para o desenvolvimento cognitivo, social, educacional e físico. A pesquisa que desenvolvo sobre a distribuição dos espaços livres destinados à recreação e ao lazer infantil (dados do Portal da Transparência) mostra a distribuição desigual de áreas com qualificação funcional adequada ao brincar infantil nas regiões mais distantes das áreas centrais e, em especial, favelas. Algumas crianças podem brincar em parquinhos; outras, não.
A literatura e a prática evidenciam a importância da existência de espaços livres públicos qualificados para o desenvolvimento psicológico, físico, intelectual e social do ser humano e, em especial, àqueles direcionados às crianças. Na sua ausência ou dificuldade de acesso aos serviços de lazer, sobretudo aos pequenos, ocorre o aumento na incidência de violência, há prejuízo à saúde, corre o impacto negativo no comportamento social e no desenvolvimento infantil. Quer um país melhor? Deixem as crianças brincar em espaços públicos seguros e pensados para elas. A foto que ilustra a coluna mostra a inauguração da primeira fase da campanha “Vai Ter Parquinho Sim!”, idealizada pelo Instituto Fazendinhando, representado por sua presidente Ster Carro e que foi apoiada por inúmeros voluntários e empresas que ajudaram crianças a brincar mais e melhor. Localizada no Jardim Colombo (Vila Sônia, São Paulo), a área foi ocupada pelos risos e gargalhadas de centenas de crianças que não conseguiam conter a felicidade diante da novidade. De depósito de lixo à área de recreação infantil, o local proporcionará um ponto de encontro saudável e permitirá um desenvolvimento repleto de brincadeiras, além de proporcionar um pouco de sossego às mães.
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*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.